RIO - No embalo de "A canção do mago - A trajetória musical de Paulo Coelho" (editora Futuro), livro escrito pela jornalista Hérica Marmo e que acaba de sair do forno , outro lançamento está resgatando uma parte interessantíssima da história do escritor mais bem-sucedido do país: "Paulo Coelho - O compositor", o disco, chega às lojas pela Universal trazendo 19 músicas compostas pelo mago em parceria com grandes nomes e versões que ele fez para sucessos internacionais. Mas, por incrível que pareça, um "produto" não foi concebido por causa do outro. Renato Pacca e Sylvia Azevedo tiveram a idéia de fazer o disco há sete anos.
- Eu fazia um trabalho dentro do site do Paulo e, uma vez, sugeri que ele colocasse no ar toda a sua obra musical, porque muita gente não sabe que ele foi compositor antes de virar escritor. Aí, eu e Renato tivemos a idéia de fazer o disco - lembra Sylvia, que hoje trabalha com turismo.
" Paulo subiu ao palco e o Raul, que já estava debilitado, passou a cantar melhor "
Na época, Sylvia tinha uma loja virtual de artigos para fãs e uma das suas filiais estava hospedada na homepage de Paulo Coelho. Renato Pacca é advogado cível e já trabalhava para o escritor e outros artistas, em causas relacionadas a direitos autorais. A música também sempre esteve muito presente na vida deste ex-baterista que, em 1989, assistiu no Canecão ao último show que Raul Seixas apresentou no Rio antes de morrer:
- Fui com o Paulo e, quando ele subiu ao palco, chamado pelo Marcelo Nova, o Raul, que estava bem debilitado, se aprumou para receber o amigo e passou a cantar melhor. Na época, lembro bem que um crítico escreveu que o show foi um "réquiem em vida" e foi mesmo. Mas a energia daquele encontro derradeiro entre os dois parceiros foi inesquecível. O Canecão cantou hipnotizado "Viva a sociedade alternativa".
O advogado conhecera o autor um ano antes, depois de três esbarrões nas ruas de Copacabana.
- Um dia, vi Paulo numa livraria de Copacabana e conversei com ele. Nos encontramos na semana seguinte, perto de uns camelôs do bairro. Logo depois, esbarramos de novo em um caixa eletrônico. Aí, ele disse: "Tem um ditado que diz que uma coisa pode acontecer uma vez só e nunca mais. Mas se acontecer a segunda, certamente haverá uma terceira. Isso se confirmou agora e acho melhor a gente parar de se encontrar na rua. Vai lá em casa hoje à noite. " E assim começou minha amizade com ele - lembra Renato, confirmando aquele papo de que Paulo Coelho é um cara supersticioso: - Ele pauta a vida dele por esses sinais.
Renato e Sylvia idealizaram o disco na mesma época em que houve uma briga entre Kika Seixas, uma das ex-mulheres de Raul, e Paulo Coelho. Ela passou a não querer liberar músicas de Raul para outros artistas gravar.
" Ele ficou chateado porque a Kika estava administrando, além da obra do Raul, a dele, que estava vivo "
- Eu e a Sylvia tivemos essa idéia no aniversário do Paulo, em 2000. Ele achou ótimo. Um tempo depois, quando íamos efetivar, tivemos problemas com os direitos autorais - lembra Renato.
Kika Seixas, que é procuradora da Vivian, filha de Raul, proibiu a dupla Chitãozinho e Xororó de gravar "Medo da chuva", porque queria dar a exclusividade da música a Zé Ramalho ( leia a matéria que O Globo publicou na época ), que fazia um disco dedicado ao Maluco Beleza. Chateado, Paulo não liberou as parcerias para o cantor ( leia a carta que o escritor escreveu ao jornal O Globo na época). A dupla sertaneja era grata à aliança de Raul e Paulo porque a música "Tente outra vez" fez com que eles não desistissem de jogar a toalha no momento mais difícil de sua carreira.
- O Paulo sempre disse que não tinha problema nenhum com o Zé Ramalho, mas ele ficou chateado porque a Kika estava administrando, além da obra do Raul, a dele, que estava vivo. Fora isso, Paulo não queria negar a música para uma dupla que tinha uma história com "Tente outra vez" - conta Renato.
Chitãozinho e Xororó acabaram gravando a música só em DVD. Agora, que Kika liberou os direitos autorais referentes a Raul Seixas, ela entrou no CD "Paulo, o compositor" ao lado de outros dez sucessos que o mago compôs com o Maluco Beleza, entre os quais "Gîtâ" e "Eu nasci há dez mil anos atrás".
Renato e Sylvia tiveram dificuldades com outras liberações. "A maçã" entraria no disco na voz de Simone ou de Deborah Blando. Depois de duas negativas, os idealizadores decidiram incluir a versão original, gravada por Raul:
" Ele achou que isso tudo era um sinal para ele parar de compor "
- Pedimos a versão da Simone, mas a editora disse que ela não libera nada para coletânea. Pulamos para Deborah Blando e a Sony não liberou, não sei porquê. Colocamos, então, a original, com Raul.
O disco traz ainda "Sou rebelde", com Lilian (que fazia dupla com o Leno) e Rosana, que gravou "Fique um pouco mais" na época em que era produzida por Paulo Coelho. Desconhecida hoje em dia, Sonia Santos gravou "Porque" para a trilha sonora da novela "O rebu", que foi feita por Paulo e Raul.
O hit "Esse tal de roque enrow" e "Cartão postal", da época da parceria com Rita Lee, também estão no repertório. Zé Rodrix, com quem Paulo compôs músicas para dois discos, canta "Carga pesada", com Sérgio Reis. Na voz de Elis Regina, "Me deixas louca" (uma versão para o hit de Armando Manzanero) marcou o fim da carreira de Paulo Coelho como compositor.
- Em 1982, Paulo estava encostado em um carro e uma bola de neve caiu quando ele se afastou. Logo em seguida, a mulher dele contou que Elis tinha morrido. E a música foi a última gravação dela em estúdio antes de morrer. Ele achou que isso tudo era um sinal para ele parar de compor. Ele fez algumas coisinhas depois, mas parou de viver disso - diz.
Livro resgata a história de Paulo Coelho como compositor e executivo de gravadora
RIO - No primeiro encontro, marcado em uma suíte de hotel de Viena (Áustria), Paulo Coelho comentou com a pessoa que o acompanhava, logo após abrir a porta: "Ela veio do Rio para me entrevistar sobre um assunto de que eu não gosto nem um pouco de falar". Hérica Marmo, que acabava de cumprimentá-lo, tremeu, mas manteve-se firme no propósito de passar os dois dias combinados explorando a vida e a obra do mago na época em que ele era amigo de Raul Seixas, executivo de gravadora e compositor.
Paulo relaxou e falou mais do que a jornalista esperava. Etapa vencida, Hérica Marmo seguiu fazendo outras entrevistas e ouvindo outras histórias, reunidas agora no livro "A canção do mago - A trajetória musical de Paulo Coelho" (editora Futuro), que tem lançamento e noite de autógrafos nesta segunda-feira, na livraria Saraiva do Rio Sul.
Veja o encontro de Paulo Coelho e Hérica Marmo em Paris
" Ele disse: 'Eu nunca tinha parado para analisar a minha obra musical' "
- Apesar de ter falado isso, ele me recebeu muito bem no primeiro encontro. Fiquei sem graça, mas fui mandando as perguntas e parece que ele esqueceu que não gostava do assunto. Ele foi se divertindo com as histórias que lembrava, analisou as músicas e respondeu tudo que perguntei. Às vezes, ele mesmo iniciava a polêmica - conta Hérica Marmo, que encontrou Paulo Coelho novamente em setembro, em Paris: - Quando o encontrei de novo, estava de férias. Ele não tinha recebido o livro, mas depiois me escreveu dizendo que estava gostando do que lia.
Entre as "polêmicas" estão histórias como a que diz que foi Paulo Coelho quem apresentou Raul Seixas à magia e às drogas. Hérica já havia lido algo sobre isso e sobre muitas outras coisas relativas ao escritor em suas pesquisas, mas ele também desmistificou algumas delas:
- Todo mundo fala que foi Paulo quem criou Sidney Magal quando era gerente de gravadora. Mas a participação dele foi, basicamente, como compositor. Ao falar sobre essa época, ele deu crédito a Roberto Livi, o produtor de Sidney.
Hérica deixou o mago feliz ao colocar nas mãos dele a lista de todas as suas composições, que ela conseguiu pesquisando não só no acervo do Instituto Paulo Coelho - "onde ele guarda tudo, como todo bom virginiano", diz ela - mas também nas editoras das gravadoras e até em bate-papos com antigos parceiros dele. Ao todo, a autora encontrou 114 composições e quase 200 versões de músicas estrangeiras.
" Todo mundo fala que foi Paulo quem criou Sidney Magal "
- Acho que foi ali que Paulo se convenceu de que o livro valia a pena. Ele disse: "Pôxa, eu nunca tinha parado para analisar a minha obra musical" - lembra ela.
Mas, apesar de as entrevistas com Paulo Coelho terem sido essenciais para comprovar a veracidade dos fatos pesquisados, o mago não é o único personagem importante de "A canção do mago - A trajetória musical de Paulo Coelho". Foi imprescindível entrevistar Jerry Adriani, que foi quem trouxe Raul da Bahia para o Rio, na época em que ele era líder da banda Raulzito e os Panteras. O Mutante Sérgio Dias ("Arigatô-Harakiri"), Zé Rodrix ("Mercado do amor"), Rosana ("Fique um pouco mais"), o ex-Fevers Augusto César ("Meu amor, Michelle"), Rita Lee ("Arrombou a festa") e Roberto Menescal ("Não dá mais", gravada por Zizi Possi) - que assina o prefácio - também contaram histórias incríveis da época.
- Falei com amigos, inimigos, ex-parceiros, ex-mulher, atual mulher, gente que conviveu com Raul, gente que acompanhava a relação dos dois. Falei também com pessoas que conheceram Raul antes de conhecer o Paulo, porque era importante traçar o perfil de cada um antes de conhecer o outro. Fiz pesquisa em jornais antigos e fui conferir o que as pessoas dizem hoje. O que elas lembram 30 anos depois não é fiel ao que falaram na época - diz Hérica.
O livro compreende a história de Paulo Coelho de 1972 a pouco depois de 1982, desde quando ele era jornalista e conheceu Raul até quando já havia se tornado escritor, mas fez ainda uma última letra:
- A última foi uma parceria com Hyldon, chamada "Caminho de Santiago". Paulo já estava fora da carreira de letrista e dedicava-se à fase de escritor.
Coquetel de lançamento do livro "A canção do mago - A trajetória musical de Paulo Coelho" (editora Futuro): Seg, às 19h, na Livraria Saraiva do Rio Sul (Rua Lauro Muller 116, 3º piso).
Por: Christina Fuscaldo - O Globo Online
 
 
 
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